O CAp como cenário de uma sequência inesquecível de “primeiras emoções”
A morte recente do talentoso publicitário Washington Olivetto trouxe à tona várias peças famosas criadas por ele, entre as quais destaco a propaganda da Valisère: “O primeiro sutiã a gente nunca esquece...”. Ao ser convocada pelo querido amigo Ricardo Bretz a contar algumas recordações do tempo passado no CAp – entre março de 1964 e dezembro de 1969 – me vi subitamente transportada para o espaço físico do colégio. Isso me despertou a lembrança de uma série de fatos que chamaria de “primeiras emoções”, coisas que aconteceram primeiro ali, entre os muros do prédio onde passei a maior parte da vida dos 12 aos 18 anos.
Posso garantir que não me lembro do primeiro sutiã; sempre tive horror a essa peça opressiva do vestuário feminino, que só usava por obrigação (e ignorava quando a roupa era escura e sem transparência). Mas outra coisa muito importante do universo feminino me aconteceu dois meses após minha entrada no curso ginasial do CAp, mais exatamente em maio de 1964: a primeira menstruação. Eu tinha 12 anos e nunca havia conversado com ninguém sobre isso. Minha mãe achava que era muito cedo pra tocar no assunto. Quando entrei no banheiro, na hora do recreio, e vi o estrago, me desesperei; não sabia o que fazer, nem tinha ideia do que era aquilo. Por sorte estava comigo uma amiga de infância, minha colega desde a primeira série primária no Instituto de Educação. Um ano mais velha, ela dominava o assunto; além de me orientar, pediu pra avisarem à minha mãe, que mandou meu pai ir correndo me buscar de carro.
Comecei o texto relembrando esse importante rito de passagem porque não havia como omiti-lo; afinal, escolhi falar de eventos que ocorreram PRIMEIRO no CAp, e esse marcou demais minha pré-adolescência. Pra mudar a vibração, falarei agora do primeiro amor. Eu me apaixonei por um colega aos 15 anos, e foi algo tão bonito que costumo recordar sempre que fico estressada e preciso pensar em coisas boas pra relaxar. Não tivemos um namoro tradicional, do tipo em que o garoto vai à casa da garota, conversa com os pais dela... nada disso! Mas a gente se curtia, dançava muito nas festas, sobretudo as do Tijuca Country Club, quando ele “causava” usando polainas (pesquisem no Google, jovens!). Foi com ele que troquei meu primeiro beijo, e o décimo, e o centésimo. Estou tendo uma taquicardia enquanto escrevo isso, sério mesmo (e engraçado também...).
Agora, um contraponto a esse momento feliz: aos 16 anos ganhei o primeiro (e único) ZERO!!! Pensei que o mundo desabava sobre mim. O medo da bronca que levaria do meu pai quase me fez fugir de casa. Como assim, um ZERO?!?! O professor de História, sempre muito simpático e atencioso, me chamou para uma conversa e disse que, se na prova seguinte eu não tirasse um DEZ, me reprovaria. Não valia 9 nem 9,5. Tinha que ser 10! Foi uma verdadeira maratona, nunca estudei tanto na vida, embora dormisse mal à noite, tomada pelo pânico. Consegui o bendito 10, e guardo isso na minha estante íntima de troféus conquistados em momentos de superação.
Pra compensar, eu acumulava notas 10 em Português e Redação, e colecionava elogios dos mestres. Com pouquíssimas exceções, o corpo docente na época era de primeira linha, e a isso atribuo o back-ground que nos permitiu cursar a universidade sem grandes problemas e seguir carreiras bem-sucedidas. O professor de Inglês também gostava de mim: como eu fazia aulas na Cultura Inglesa desde os 11 anos, era uma das melhores alunas. Mas isso não me impediu de enfrentar sua autoridade num episódio que até hoje desperta gargalhadas. Esse professor passou um curto período à frente do CAp, durante a ausência do diretor-geral, e resolveu mexer num vespeiro: proibiu as alunas de enrolarem as saias do uniforme na cintura, transformando-as em minissaias. Foi um auê! Até então a diretoria fazia vista grossa pra esse hábito (que, aliás, continua igualzinho até hoje: basta observar nas ruas as garotas de uniforme). Todo mundo obedeceu, colocando as saias logo acima do joelho – menos a perua aqui. Desfiz o rolo que havia no cós, baixei ao máximo a roupa e desfilei no recreio com uma saia midi, no meio da canela, para divertimento dos alunos e profunda irritação do diretor temporário. Eu diria que este foi meu primeiro enfrentamento de autoridade, e ainda sinto a adrenalina subindo enquanto eu desafiava a ordem de um modo sutil e, ao mesmo tempo, abusado. Inesquecível!
Também merece registro a primeira transgressão literária. Enquanto minha melhor amiga (e colega de turma desde o Curso de Admissão) se emocionava às lágrimas com a obra de Clarice Lispector, fui apresentada ao livro “Quarup”, do jornalista Antonio Callado, apontado como um dos mais representativos do Brasil após a instauração do regime militar. Lançado em 1967, “Quarup” teve imensa repercussão na imprensa da época, especialmente no Jornal do Brasil (onde eu viria a trabalhar entre 1973 e 1984). Até que em dezembro de 1968 houve um acirramento da censura com a edição do AI-5, e Callado foi preso em janeiro do ano seguinte. Meus pais jamais permitiriam que eu lesse o chamado “romance da crise brasileira”, mas fui cooptada por um colega dois anos mais velho, da turma do hoje deputado federal Chico Alencar. Falando baixinho, como se estivesse me convocando para uma reunião da Aliança Libertadora Nacional, ele mostrou um exemplar amarfanhado, que já circulara entre alguns alunos às escondidas dos diretores, professores e inspetores do CAp, e disse fazer questão que eu lesse. Foi uma façanha e tanto driblar os meus pais, e o receio de ser pega em flagrante me acompanhou durante toda a leitura daquelas 495 páginas primorosas. Valeu a pena!
Por último – mas não menos importante – preciso destacar que no CAp experimentei, também pela primeira vez, a sensação de fazer parte de um grupo, um time, uma equipe formada por gente bem educada, de alto nível intelectual, com fortes noções de amizade, fidelidade, cumplicidade, solidariedade. Não quero parecer pessimista mas, ao longo de uma longa vida, não tenho visto com frequência essa conjunção de qualidades e sentimentos, seja nos ambientes de ensino, seja nos de trabalho, ou mesmo nas famílias. Por conta de tais ingredientes especiais, a receita premiada com a Medalha de Ouro no concurso imaginário pra apontar a melhor instituição educacional da década de 1960 (lá se vão 60 anos!) vai para... o Colégio de Aplicação Fernando Rodrigues da Silveira!!! Ali se forjou uma geração de brasileiros fortes, capazes, corajosos, cultos e sensíveis, que se mantém unida até hoje.
Tenho imenso orgulho de fazer parte dela!
P. S. Um feliz Natal e excelente 2025 para todos nós! Saúde e Paz!
Christine Ajuz
23/12/2024