Lembranças do ginásio
Em todo começo há uma certa mágica. Em marco de 1964 (caramba, há 60 anos atrás!) acordei bem cedo, vesti o novo uniforme, coloquei o relógio que havia ganho de presente para aprender a controlar o tempo sozinha e saí em companhia de uma vizinha, que já estudava no CAp, para tomar o bonde Matoso.
A viagem em si era uma novidade, havia tanto para ver: a Praça Saens Pena com seus cinemas era um highlight, crianças e adolescentes com uniformes dos inúmeros colégios públicos e particulares, orgulho da Tijuca.
Ao mesmo tempo sentia um frio na barriga… Como seria o novo colégio, aliás, o que era um Colégio de Aplicação? Como seria uma classe mista? Eu vinha de uma escola de freiras, era miúda, magrinha, tímida e gostava de estudar.
Realmente a escola era bem diferente, moderna, na sala as carteiras eram dispostas em formato de U, o que favorecia uma boa interação entre os alunos e os professores. Havia um Laboratório de Química e, se não me engano, um de Línguas bem como uma pequena biblioteca. O currículo tradicional era complementado com Música, Educação Física e algo como “prendas do lar” para as meninas e “oficina” para os meninos.
Mas o melhor mesmo foram as novas amizades! Com meninas e meninos! Os trabalhos de grupo e o hábito de estudarmos juntos para uma prova ou outra proporcionavam ocasiões de encontro fora da escola. Morávamos na grande maioria na Tijuca, Grajaú e redondezas, o que também facilitava estes encontros. Assim, aos poucos, fomos conhecendo as famílias dos colegas e foram surgindo convites para festinhas em casa e clubes, idas a cinema, passeios, visitas durante as férias a Paquetá ou Teresópolis.
E assim fomos ganhando aos poucos autonomia de voo, nos tornando adolescentes, ampliando nossos interesses por música, moda, conselhos de beleza (sim!), paqueras e muito mais.
Vivemos um período incomparável da música popular. Regina Batalha, Ester e eu éramos as fanáticas pelos Beatles (sem contar com os meninos), o que contribuiu em muito para ótimas notas em inglês, Mrs. Júdice foi testemunha. Na turma havia os que curtiam mais os Rolling Stones, a Bossa Nova e MPB, outros se confessavam fãs da Jovem Guarda. Os Festivais uniam a todos.
Quanto à moda, destaco a mini-saia, com consequências para o uniforme das meninas. Enéias passou a controlar na entrada, além das cadernetas, o comprimento das saias! O uniforme facilitava nossa vida: a blusa larga permitia que enrolássemos o cós da saia ao sair do colégio e desenrolássemos ao entrar, sem ninguém notar.
O quarto ano ginasial foi meu último no CAp, para minha grande tristeza. Meus pais, muito previdentes, acharam melhor eu cursar o Instituto de Educação para ter logo uma profissão. Depois eu poderia fazer um curso superior e assim foi.
Estudei Arquitetura na UFRJ onde reencontrei colegas como Cristina Werner, Anita Heloísa, Jochen. Casei em 1985 e vim morar na Alemanha, atualmente em Berlim.
As amizades do Aplicação perduram através do tempo. Regina e Ricardo, com seu poder de integração e dedicação ao CAp, me proporcionaram ao longo dos anos oportunidades de reencontro com colegas: Elisabete Bonow (grande amiga), Cristina, Sonia Helena, Maria Regina (com quem estudei no Instituto); vários colegas em festas na casa de Anita; Christine, Anette e Ivan em sua casa no Rio.
Obrigada amigos, a todos daquela época. Obrigada professores, estagiários, funcionários.
Saudades dos que se foram: Ester, Jochen, Hélio, Anita, Hamilcar, Jansen e Ernesto.
Eunice Silva
23/12/2024